sábado, 26 de março de 2011

Lewis, Aslam e Nárnia



O lançamento dos dois primeiros filmes de As Crônicas de Nárnia reacendeu a discussão de que esta obra (uma coleção de 7 livros) apresenta uma temática cristã muito profunda, principalmente em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa. C. S. Lewis, seu autor, foi um dos maiores pensadores cristãos do século XX e também reconhecido, ao contrário de seu amigo Tolkien, pela sua predileção por alegorias. Não havia dúvidas portanto em dizer que Nárnia era na realidade uma alegoria cristã de Lewis especialmente pelo fato de Aslam, o Criador e verdadeiro Rei deste mundo fantástico, ser claramente e reconhecidamente uma figura de Cristo. Eu mesmo cheguei a dizer isso neste post.


Para aqueles que, digamos, não convivem muito com estes “assuntos religiosos”, dizer que Aslam é na verdade como Jesus Cristo poderia soar estranho, principalmente se considerarmos que nos dias de hoje “assuntos religiosos” parecem ser considerados cada vez mais e a cada dia que passa como algo de pouco valor, irrelevante ou até mesmo estúpido. De qualquer forma, por valorizar sempre a intenção original do autor, sempre achei útil procurar por referências onde o próprio Lewis afirmasse sobre as suas intenções com obra, para que assim não houvesse espaço para dúvidas ou suposições.

Duas coisas me impediam no entanto de fazê-lo: a falta de tempo e de “biblioteca”. Por “biblioteca” quero dizer que não gosto de simplesmente usar frases soltas encontradas em outros sites usando o Google, preferindo mesmo consultar livros para que assim eu pudesse mostrar referências mais seguras para aquilo que estou afirmando. Contundo, encontrar bibliografia para o assunto em questão neste post não me parecia tarefa tão simples, principalmente se associada com o fator tempo e com o fato de que eu deveria consultar obras em inglês.


Graças a Deus que abençoou a capacidade humana para criar tecnologias que além de facilitarem a nossa vida também ajudam no nosso desenvolvimento pessoal. Utilizando a ferramenta Google Book Search, que nada mais é que um grande banco de dados de livros permitindo até mesmo sua visualização parcial ou total, consegui encontrar o que queria, tanto as afirmações de Lewis sobre sua obra quanto os livros onde estas afirmações se encontram. Logo, as referências citadas neste post foram encontradas originalmente em inglês utilizando este recurso (e também usando um pouco o site da Amazon) e podem ser acessadas por qualquer um caso haja o interesse em fazê-lo [1].

Qual não foi a minha surpresa ao fazer esta pesquisa e descobrir que C. S. Lewis não considerava As Crônicas de Nárnia um alegoria, ao contrário do que muitos pensam, incluindo eu. Embora tenha confirmado a temática cristã da obra, para ele não era uma alegoria cristã como por exemplo O Peregrino de John Bunyan e sim algo como uma “suposição”. Em uma carta escrita para crianças de uma escola no estado norte-americano de Maryland, datada de 1954, C. S. Lewis explica melhor esta questão ao responder um questionamento que havia sido feito a ele perguntando se os personagens Nikabrik e Ripchip eram algum tipo de representação:

"Vocês se enganam ao pensarem que tudo nos livros “representam” alguma coisa neste mundo. As coisas são assim em O Peregrino mas eu não estou escrevendo desta maneira. Eu não disse para mim mesmo “Vamos representar Jesus como Ele realmente é em nosso mundo por um Leão em Nárnia”: eu disse “Vamos supor que havia uma terra como Nárnia e que o Filho de Deus, assim como Ele se tornou um Homem em nosso mundo, se tornou um Leão lá, e então imaginem o que aconteceria.” Se vocês pensarem sobre isso, verão que é uma coisa bem diferente. Logo, a resposta para as suas duas primeiras questões é que Ripchip e Nikabrik, neste sentido, não representam ninguém. Mas é claro que qualquer pessoa em nosso mundo que dedica toda a sua vida a procurar o Céu será como Ripchip, e qualquer um que quer algo deste mundo de maneira tão forte ao ponto de estar preparado para usar de meios perversos para conseguí-lo provavelmente se comportará como Nikabrik. [2]"

Em outra carta enviada à Sra. Hook em 1958, Lewis complementa dizendo:

"Se Aslam representasse a Divindade imaterial da mesma forma que o Gigante Desespero [Nota: um personagem de O Peregrino] representa o desespero, ele seria uma figura alegórica. Na realidade, entretanto, ele é uma invenção que dá uma resposta imaginária para a questão “Como Cristo seria se realmente existisse um mundo como Nárnia, e Ele escolhesse ser encarnado e morrer e ressuscitar naquele mundo como Ele fez no nosso?” Isto não é alegoria de forma alguma. [3]"

Contudo, uma carta que Lewis enviara em 1961 a Anne Jenkins, na época sua fã de 10 anos de idade, parece ser considerada como o documento escrito onde o autor explica de maneira mais clara e completa as suas intenções com As Crônicas de Nárnia. Nesta carta, C. S. Lewis afirma:

"Toda a história de Nárnia é sobre Cristo. Isto quer dizer que eu perguntei a mim mesmo “Suponha que havia realmente um mundo como Nárnia e suponha que (como no nosso mundo) algo havia dado errado e suponha que Cristo quis ir a este outro mundo e salvá-lo (como Ele fez no nosso), o que poderia ter acontecido?” As histórias são as minhas respostas. Como Nárnia é um mundo de animais falantes, eu pensei que Ele poderia se tornar um Animal Falante lá, assim como Ele se tornou um homem aqui. Eu O descrevi como um leão lá porque (a) o leão é considerado como o rei dos animais; (b) Cristo é chamado de “O Leão de Judá” na Bíblia; [Nota: em Apocalipse 5:5] (c) Eu estava tendo sonhos estranhos sobre leões quando eu comecei a escrever o trabalho. [4]"

Nesta mesma carta, logo a seguir, o autor descreve os sete livros da seguinte maneira: O Sobrinho do Mago, fala sobre a criação de Nárnia e como o Mal entrou neste mundo; O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa sobre a Crucificação e Ressurreição; Príncipe Caspian sobre a volta da verdadeira religião após um período de corrupção; O Cavalo e seu Menino sobre o chamado e conversão de um não-cristão; A Viagem do Peregrino da Alvorada sobre a vida espiritual (especialmente considerando o personagem Ripchip); A Cadeira de Prata sobre a contínua luta contra as forças das trevas; e finalmente A Última Batalha, talvez o meu predileto, sobre a chegada do Anticristo (o personagem Macaco) e o fim do mundo após o Julgamento Final.

Fica portanto mais clara, pelo menos para mim, qual a correlação exata desta obra, que considero ótima, com a temática cristã, com os devidos registros.

Possuo uma grande e linda edição de As Crônicas de Nárnia que reúne todos os 7 livros. Contudo, para aqueles que preferirem, os livros também são vendidos separadamente.

E para aqueles que ainda não perceberam, fica aqui a minha “dica”: As Crônicas de Nárnia são livros infanto-juvenis. Ao lerem os livros ou ao verem os filmes, não se esqueçam deste importante detalhe.


[1] E caso alguém saiba de mais referências, seus comentários são bem-vindos.


[2] Estes dizeres de Lewis estão registrados em seu livro Letters to Children, mas também encontrei, dentre outros, nos seguintes livros: Walter Hooper, 1996, C. S. Lewis: A Companion and Guide; Shanna Caughey, 2005, Revisiting Narnia: Fantasy, Myth and Religion in C. S. Lewis’ Chronicles.


[3] Walter Hooper, C.S. Lewis: A Complete Guide to His Life and Works, 2005.


[4] Esta carta se encontra na coletânea The Collected Letters of C.S. Lewis, Volume 3, publicada em 2007.

Um comentário:

  1. Gostei muito do blog, visite o Narnia Secrets: http://narniasecrets.blogspot.com/

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